segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Um poema e dois pensamentos

Para Adélia


Desde aquele dia não escrevo
Ele roubou-me a inspiração, e tudo quanto havia
Adélia me devolveu algumas palavras
Tentaram elas me livrar do tédio, agonia

Se ao menos servisse para alguma coisa
Pra trazer você pra perto de mim
Minhas palavras não têm asas
Não têm vassoura de bruxa atravessando a lua cheia sem fim

Desfaço-me das rimas
Como desfaço-me das roupas
Que não são de veludo, nem de cetim

E despida de tudo o que era antes
Deito-me (só) como mulher
Que a poetisa me ensinou a ser, enfim.


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Um


“Antes, os ouvidos me ouviam assim:
Dá-me licença, eu quero passar
E passava (sempre) com o nariz empinado
Sem tocar em nada, pegadas na neve

Agora, os ouvidos me ouvem assim:
Dá-me licença, eu quero amar
E amo (sempre) olhando pra baixo
Sem tocar no chão, pegadas no céu.”


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Dois


“Você não sabe escrever, ser poeta.
As palavras engasgam, porque os sentimentos não estão acostumados a sair.
E sentimento, meu amigo, é encalço da palavra.
Melhor assim, que só eu consigo ler as tuas poesias, que saltam dos olhos quando você fica mudo.
A tua poesia é linda, e é minha, já que só eu consigo decifrá-la.
Não se preocupe. Deixe que eu cuide dela pra você.”


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"O que a memória ama, fica eterno.
Te amo com a memória, imperecível."

Adélia Prado

sábado, 28 de agosto de 2010

As três fases da água

1)Sólido.

Lá se foi o seu último cigarro. Ela o apagou em sua própria mão, e de praxe, nada sentiu. Agora era apenas mais uma cicatriz, pensava em começar a colecionar cicatrizes, já tinha aos montes. Uma semana havia se passado. Eles beberam demasiado, conheceram pessoas, e queriam tudo ou nada, queriam assim, o desprendimento, absoluto. Um não sabendo do outro, ligados apenas por um fio tênue desenhado pelas mãos de alguém que controla coisas, coisas que estão escritas (ou desenhadas) e não podem ser mudadas. E como descrito por essa mão, hoje se encontraram. E em seu quarto, ele perguntando sua idade, que ela não respondia. E ele dizia então que até o fim da noite ela irá lhe contar. E depois, concordaram em se separar, afinal de contas, eles têm essa consciência do todo, dos olhares curiosos, das bocas que falam, sem saber, das línguas frenéticas. Mas antes, no quarto do hotel, aquele velho rock'n'roll que ela não deveria conhecer, por conta da idade, mas conhecia, por conta da vida, claro. E diziam coisas, os dois. Não bonitas, não românticas, mas não ordinárias, que se espera dizer. Diziam coisas a toa, coisas simples, coisas que se completavam. Os corpos se completavam, as bocas se completavam, as falas, as línguas, se completavam. Porque foram embora? Para estragar tudo, apenas. Ou talvez para salvar aquilo que não sabiam, um dia viria. Tinham um certo medo, medo dos outros, dos pensamentos, dos sentimentos, da bebida, da ressaca, e amanhã? Será que ele continuaria gostando das músicas dela? Será que ela continuaria a ser a melhor trilha sonora da viagem? O olhar da manhã, tinham medo do olhar ordinário da manhã. Ela voltou da festa a pé, sem frio, mas no frio das ruas curitibanas, procurava nas esquinas algo pra preencher aquele vazio de um buraco há muito fechado, e irritava-se em pensar que talvez ele fora novamente aberto, expondo todas aquelas pedras. Sentada na cadeira do hotel, ela escrevia ironicamente enquanto imaginava-o batendo a porta, bêbado, sorrindo, contrastando com pedaços translúcidos que rolavam em seu rosto, ela sonhou um sonho bom. E pensou que era melhor dormir. Então um barulho de porta de carro batendo. Ela olhou pela janela e viu que não era um taxi, mas sim uma espécie de ambulância. Botando a cara pra fora gritou “ me levem!” mas ninguém a escutou. Ela precisava que a levassem dali, daquele hospício que era sua própria mente. Porque eles foram embora mesmo? Ela se perguntou se foi o medo. É sempre o maldito medo que estraga suas noites. E ao invés de ficar com os sorrisos, com a pele, com o suor, fica com as garrafas, que depois de vazias, ficam assim, solitárias, tão quietas... e o silêncio a faz entrar em desespero, não agüentava mais o silêncio. A carne gritava por outra carne, pelo toque. Não decifrou se era culpa do álcool, ou de algo que nem ela sabia explicar. Botou aquela música pra tocar... aquela de quando se beijaram, antes dela falar francês, antes dela sumir, antes dela ver aquilo que não queria ter visto, antes dela...
E olhou em volta em seu devaneio, e achou esquisito... “Porque é mesmo que você não esta aqui?”.

Essas foram suas palavras em caneta e papel.



2)Líquido.

Um gosto seco inundava as bocas. E eles se olhavam, embaraçados, sem saber ao certo o que dizer. Flores verdes nas paredes, e nada daquele quarto combinava. Tudo assim, parecendo em ordem, mas fora do lugar. Decidiram que não sabiam o que viria então, e que tudo o que poderiam fazer era tecer aquilo que eles queriam que fosse, e não o que deveria ser, por pura convenção. E quem disse o que deveríamos fazer e onde deveríamos? Decidiram, sem nada dizer, em seu silêncio cúmplice. O segredo um do outro. E foi naquele dia então, que deu-se o reencontro. E beberam um do outro, tecendo a noite da forma que lhes convinha. “ É bom poder dizer as coisas assim, tirando a máscara” ela dizia, respirando liberdade que só poderia encontrar ali, trancada num quarto, com um desconhecido. E ele, que também mal a conhecia, não usava mais fantasias, nem pernas de pau para ficar maior. O tamanho dos dois era gigantesco, e não cabia entre as quatro paredes, que observavam assustadas, estranhando o comportamento dos dois. E riram daquilo tudo, e não entendiam porque se entendiam tanto. E entre palavras que se completavam, momentos silenciosos. Mas silêncio que não dava angústia, silêncio bom, de plenitude. E se olhavam no espelho, abraçados, ela dizia que formavam um belo casal, ele ria e concordava. Algumas vezes ela ficava distante, ele percebia. Algumas vezes alguém se deixava invadir pelo medo daquilo que não sabiam se estava por vir. Algumas vezes alguém se deixava invadir pela entrega. Algumas vezes alguém caia no sono, e despertava em seguida. E entre o sono e o alerta, afogavam-se naquele mar apenas dos dois, não sabendo se era temporário ou não. Não queriam saber. E pularam na cama sem molas, e riram por isso. E tentaram dançar alguma música que só eles puderam ouvir. E comeram algo qualquer enquanto falavam canastrices e não apreciavam a comida. E beijaram as costas um do outro, contando as estrelas que pintavam o céu de cada pele cansada, cansada de tudo o que veio antes daquele momento, até então. E as estrelas começaram a brilhar outra vez, solenes, mas renovadas, aos poucos recuperando o brilho. E falaram de coisas abstratas, entendíveis para os dois, somente. Coisas nunca antes ditas daquela forma, pela falta de compreensão dos ouvidos aos quais eram ditas até então. E ele perguntou novamente, e por vezes a idade dela. E por vezes ela disse coisas que o levou a mundos mais distantes e importantes, onde o tempo não tem vez, nem pressa. E entre os risos, beijos, olhares, silêncios, degustações, lembranças, confissões, eles se perderam. Aquele mar de dois. E cada um múltiplo em si mesmo, inundando um ao outro, invadindo com ondas que assustam, mas acalmam. Cada um sendo para o outro um farol, um porto seguro, um eco. E se olharam nos olhos, pelo espelho, e não sabiam o porquê sorriam. Por diversas vezes ela dizia que deveriam ir, era hora. O mundo lá fora gritava, precisavam voltar à realidade. Era cedo, ele dizia, havia tempo, precisavam provar ainda mais um do outro, o gosto era indescritível, diferente de tudo já provado. Como se postergar fosse tornar aquela noite eterna. E quando tomaram coragem, viram que era dia. E era tarde, e um desespero tomou conta dos dois. Medo de voltar à superfície, medo de não se afogar novamente naquele oceano. E saíram de lá, novamente embaraçados. E os olhos doeram por causa do sol. E no caminho até a casa dela, foi crescendo aquela interrogação no peito de cada um. Nunca entenderiam, e amariam para sempre aquela noite. Ele parou em frente ao prédio. Ela saiu do carro, relutou, voltou-se para ele e exclamou pausadamente “mil novecentos e noventa e um”. Ela fechou a porta, e tentou ainda rir, não fazer muito drama, porque ela não acreditava naquele drama. Ela não acreditava no tempo. Ela o viu assustado, e desejou que ele também fosse descrente. Cada um foi embora, novamente, com aquilo tudo escorrendo entre os dedos, de volta a superfície, mas eternamente afogados.



3)Gasoso

Olhavam para o mar agora. Do qual haviam saído há muito, mas nunca deveriam tê-lo feito. A água secou. E não sabiam se aquele seria o começo ou o fim do que estava por vir. Os olhares evitaram se encontrar, perdidos ainda nos desencontros do tempo que passou desde a última noite. Dos desentendimentos, das saudades, das pequenas frustrações. Ela pensava que era tudo mentira, ele não conseguia acreditar, nem saber o porquê. Ambos estranhavam o próprio comportamento, e o próprio fato de estarem ali. Ela ainda rígida, ele por vezes beijava seu ombro, enquanto dizia coisas embaraçadas. Ela abriu o vinho, que esperou tempos para ser bebido pelos dois. E beberam da mesma taça, misturando as salivas ainda de uma forma distante. E com o passar dos minutos, as palavras ditas foram sublimando a tensão, as dores, as preocupações e os porquês. O vinho diluiu as últimas pedrinhas de dúvidas. E como num sopro de um gigante, o céu se abriu acima deles por alguns instantes, mostrando as estrelas, e eles se lembraram das costas estreladas que beijaram, as costas que tinham começado a brilhar novamente. A lua resolveu aparecer por um momento, para ser a testemunha daquela noite, caso um dos dois resolvesse negar posteriormente que tudo tinha sido apenas um sonho. “Sabe que eu não posso me apaixonar por você né?” , “ Sabe que eu não posso apaixonar por você né?” ela responde, com a mesma pergunta, porque era o medo e o prazer dos dois. E então trocaram salivas novamente, mas sem taça, nem vinho. E andaram pela areia, pisando em estrelas, que brilhavam ao toque dos pés, e pensaram que era magia, ela viu-se bruxa, ele viu-se enfeitiçado. “Porque a areia brilha?”. Jamais entenderiam que era para iluminá-los, quando duvidassem daquilo que deveria ser. E mais tarde, nus. E mais tarde, ele com frio, ela molhada de mar, sentiram aquela liberdade novamente. E ainda mais tarde a pizza, o quarto, os desenhos que refletiam ela nele, os vinis, a pintura na parede. E sabiam que nada mais era tão duro, pois as noites dissolveram aqueles medos maiores, e que nada mais poderia escorrer entre os dedos, pois eles tinham tudo ali, envolta deles, flutuando. E todos aqueles encontros de almas ainda mais evidente, e todos aqueles passados que se cruzavam em determinado ponto, e todas as coincidências, e as mesmas alegorias, e todos os toques, os risos, os desesperos... tudo virou fumaça. E já não estava mais no controle de cada um, e não sabiam se isso era bom ou ruim. Porque tudo então foi lançado no ar, como para o universo. E tudo o que acontecera até então virou poeira que agora eles respiravam, que contaminava o ar. Poeira da brisa do mar da outra noite. Eles sabiam que algo começava a surgir, e assustava. Porque não era visível aos olhos, e nem palpável as mãos.



E o conto começa assim, onde termina. E este nunca há de acabar.




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Para você. Em agradecimento as três noites imemoriáveis. E quem sabe, as mil e uma noites, que ainda hão de vir...




R.L.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Carta ao Eco.

Esta carta é para alguém. Para alguém que entende o meu lirismo, as minhas palavras, a minha subta melancolia. Para aquele ( ou aquela) que com os olhos não me enxerga, assim, arrasada, mas que vê apenas uma alma, uma criança, um pequeno animal mistico. Essa carta é para aquele (ou aqueles, mas aí acho que já é pedir demais) que enxergam que acima de tudo, sou a felicidade, na expressão mais pura e inocente da palavra. Com os olhos de ver, vejo daqui o sol, envergonhado, atrás das nuvens, esperando todos ficarem em silêncio para ele poder se pôr. É sempre uma frustração...as pessoas desaprenderam o valor do silêncio (principalmente nos pôres do sol) , sua plenitude, sua infinidade. E em silêncio, olhando o mar, agora, escrevo. Não sei pra quem, apenas vomito esses pensamentos que não cabem e que. Chico Buarque canta “ a flor da pele” , e é isso o que ele não dá nome (pois não tem) que eu também sinto, e que todos aqueles sensíveis d'alma (como o meu remetente) sente, e não conseguem explicar...rotular. Pois é tao forte, aquilo que esta sempre conosco, grudado, mas que escorre entre os dedos e se evai quando tentamos pegá-lo. Aquilo que não pode ser pensado, nem sentido, nem falado... mas está em cada segundo na mente, no subconsciente, nas emoções, nas transpirações, nas entrelinhas... aquilo que é o ovo de Clarice Linspector, que é a metade de Oswald de Andrade, que é a poética de Drummond, que está no cigarro de Vinícius, no whisky de Tom, na voz de Elis, no meu sorriso. Porque toda vez que sorrio, com dentes de chumbo, ou de plumas, não sei porque sorrio. Ele simplesmente me vem, como uma onda. Fico pensando no futuro, as vezes. Será que um dia as pessoas saberão de minha existência e do meu trabalho? Ou serei um daqueles artistas que deixa a família rica depois de morto...e vão ler as minhas cartas, e irão vender os meus livros, e vão expor meus quadros e escutarão as minhas musicas... e não entenderão nada... e entenderão tudo. E sentirão pena...e...tristes..e felizes... e como eu, irão sorrir. Ou talvez, eu suma, afogada em alguma ilha deserta... ou no rio, submerso... e então os escafandristas virão explorar. E eles, mais evoluídos, essa futura civilização, que enxerga com olhos de ver. Saberão que não fui nada... absolutamente nada... e que fui tudo.. porque amei, só amei. E mais nada. E provavelmente essa carta é também para alguem que amo. Esse alguem desesperado, que na sua calma e plenitude, grita. Grita por um eco...eu sei o que é isso, Nietzsche também sabia: “eu queria um eco, mas só ouvi elogios”. Eu achava na minha mesquinharia e egoismo e egocentrismo que nunca existiriam ecos.. mas eles existem. Estão espalhados pelo mundo, só é um pouco difícil de achá-los, reconhecê-los. Ecos se escondem em máscaras ordinárias, nos túneis e cavernas... mas estão lá.. como eu compreendi Nietzsche (apesar de tarde demais), alguém me compreende. E por isso escrevo, para esse meu eco, que acima de me dizer elogios, cala, e em seu simples calar, me completa. Então, caro remetente, caríssimo ou caríssima, se estiver lendo esta carta, se leu até aqui, se riu ou se chorou, se sentiu alguma coisa, alguma angústia, alguma tristeza, felicidade, alguma troca , algum encontro... se você também vê esse mar, esse sol que se esconde, esse silêncio, se você sorriu... Saiba que encontrou um eco. Apenas um, dentre os milhares... mas eu existo, eles existem, você existe.. e somos ecos, infinitos, e você já pode sorrir. Não o sorriso ordinário, aquele de pose para fotografia.. mas sim o sorriso que simplesmente vem, invade, sem aviso, de dentro do peito, da boca pra fora, o que não tem mais jeito de dissimular, o que nem é direito de se recusar , o que não tem medida, nem nunca terá, o que não tem receita...




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Escrita que encontrei essa semana. Nem lembrava de tê-la produzido. Estava em um desses cadernos velhos e rabiscados, cheios de pensamentos.
Tenho a mania de escrever cartas, pra amigos, amores, conhecidos e desconhecidos.
O de praxe, folha amarelada, tinta nanquim preta de um bico de pena, a cera vermelha derretida, o pentagrama selado, e todo o meu lirismo.
Porém essa carta é diferente. Não tem remetente fixo, não tem receita. Se quiser, pode bebê-la, se embriagar.
Essa carta é pra todos vocês, meus ecos.


R.L.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Movido a gás

Acabou a gasolina
Acabou o gás
Acho que não vamos mais rodar
Acabou o destilado
Acabou o engradado
Acho que não vamos mais tocar

Mas baby, meu avô sempre me ensinou
Que o show tem que continuar
E se tudo der errado
E se a música for um fracasso
Reserve
A sua mesa preferida num bar

O que você não sabe
É o quanto a gente ralou
Pra estar nesse palco
Ressuscitando a musica
Que você matou

O que você não entende
É que a gente precisa se virar
Pra compor algo decente
E que ainda faça
Você cantar

Acabou a gasolina
Acabou o gás
Acho que não vamos mais rodar
Acabou o destilado
Acabou o engradado
Acho que não vamos mais tocar

Mas baby, meu avô sempre me ensinou
Que o show tem que continuar
E se tudo der errado
E se a música for um fracasso
Reserve
A sua mesa preferida num bar...
Reserve
A sua mesa preferida num bar...

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Ao longo das estações

Na primeira vez que te encontrei
Eu lhe dei uma flor
Uma rosa numa noite de lua clara
De frente pro mar

Na segunda vez que te encontrei
Eu lhe dei a saudade
Que eu sentira de amar e de olhar
Alguém nos olhos como te olhei

E assim foi
Nos encontramos muitas vezes
Ao longo das estações...

No inverno encontrei em ti o calor
Na primavera encontrei em ti
O desabrochar de um botão de amor
No verão encontrei em ti um ardor
O outono deu-nos da árvore, sua flor

E ao longo desses encontros
Me encontrei em ti e te achei e mim


...Silêncio...


Agora eu ouço o silêncio
O que aconteceu?

Tentei te encontrar, eu corri
Corri

Mas da última vez que te vi
Eu te perdi...

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Poema escrito na metade de 2009.
Bobinho, mas tá valendo.

Pra você, Palomar. Que sempre quis ver aqui algo em sua homenagem.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Palavra de Nêgo

Morena, morena
Dou-lhe esse aviso
Porque quem avisa, amigo é

Sou o negro da porteira
Macho cabresto
De rima na boca e samba no pé

Morena, morena
Na calada da noite
Ousaram na mata, te provar

Na floresta sem rimas
Sem estrela brilhante
Que ousara a cena iluminar

E não sabes, morena
Que meu coração só sente
Aquilo que não pode ver

Meu olfato aguçado
O cheiro de um cabra
Que agarrou em você

Que desculpa agora morena
Tu tens a me dar
Sou teu negro, mulata
E tu dizia me amar

Fica só agora, morena
Que vou sair ligeiro
A traição é de quem não aprendeu
A se entregar por inteiro

Da mata eu vim por teu seio
Pra mata agora vou voltar
Buscar no mundo, morena
Outra morena pra me fazer chorar


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Inspirado na música Regra Três de Vinícius de Moraes e Toquinho.
Pra quem não sabe, Regra três é a regra no futebol que permite a substituição de jogadores no decorrer da partida. Toquinho e Vinícius fazem alusão a esta regra, comparando o abuso do cara em substituir sua companheira pelas suas "reservas" no jogo do amor, no relacionamento.

Ahn.. agora sim!


R.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Click em preto e branco

É isso aí. Agora a gente tranca a porta pra ter mais privacidade. Seria inadmissível outros olhos a invadirem seu corpo, seu sorriso. Hoje ele é meu, somente meu.
Eu sei, o cheiro da tinta incomoda. Não adianta pedir, ninguém tem a decência de tirar os sapatos, sempre tenho que pintar o fundo de novo e de novo.. ao menos isso me mantem focada. É a única maneira de olhar para o infinito sem ficar divagando muito.
Eu vou ligar uma música pra você ficar mais a vontade, e eu também, acho. Na verdade tenho problemas com ansiedade. E além disso tenho problemas com seus olhos, eles sempre me deixam suando frio.
Fechar a cortina, ligar os refletores. Começamos a trabalhar, você fica surpresa porque são suas músicas preferidas tocando, isso ajuda. Mas você não sabe que eu sei todas as suas cem músicas preferidas, em ordem.
Primeira bateria completa, mais um rolo. Segunda completa, a primeira sessão está ok. Seu sorriso é lindo.
Eu esqueci o filme na outra sala, tenho que ir buscar. Você fica séria nessa hora, porque? Me olha como se pensasse em algo que não pude decifrar. Com licença, volto já.
Procuro, mas alguém mexeu no meu armário, mudaram meus filmes de lugar, tive que olhar na sala de armazenamento toda, quase acendi a luz da sala de ampliação e queimei todos os papéis. Estava ficado a beira de um ataque de nervos. Onde estava o maldito filme?
Armários, em baixo de mesas, gavetas, perguntei a todos no corredor e salas do andar. Nada. Droga, eu precisava terminar, faltavam as mais bonitas, as mais sutis, aquelas em que você confunde o fundo com a pele, os olhos destacados , o cabelo bem negro. Tento me recompor para entrar na sala novamente e te dar a notícia de que teríamos continuar outro dia. Você não iria gostar nada, tanta coisa pra fazer, tantos projetos, trabalhos, pessoas. Nem sei como você veio parar aqui, nem o que está fazendo aqui, como consegui isso. Angustia, é como se eu estivesse deixando a primeira dama esperando enquanto tento arranjar uma desculpa para minha desorganização. Inútil.
Mão na cabeça, de um lado pro outro, olha pra porta, volta, anda mais rápido, vira e revira, desculpas, ameaça, recua, e agora? Anda mais, mão no queixo, outra na cintura, olha pro chão, espera um milagre cair do céu, ele demora, desisto e abro a porta num impulso de desespero.
Paro.
Estagno.
Olhos congelados, boca, nuca, mão, respiração, corpo, alma.
Eu não sabia que você tinha topado fazer modelo nu também. Realmente não contava com isso. E agora? Eu não teria nem tempo de ter um ataque de nervos.
“ Eu... eu não sei onde eu botei o filme, eu...”
“ Feche a porta.”
É claro, que imprudência, fiquei ali, na inércia de um movimento travado correndo o risco de te expor, expor teu corpo a olhos que não são olhos de ver, que não te merecem. Tranco a porta, movimentos lentos, ainda abalados.
Vejo o chão, lentamente levanto o olhar, com medo de encontrar os teus. E gradualmente, tudo vai ficando em preto e branco.
Aquela música antiga, começa a tocar. É a gravação que fiz do meu vinil, sua bossinha favorita, eu sei. Também amo as palavras de Vinícius de Moraes.
Agora que não existem mais cores pra me distrair, vejo melhor os contrastes. Vejo você ali, no meio de todo aquele branco infinito, que na verdade fica tão próximo e pequeno perto da tua beleza.E vejo, algo preto se destacando, como uma caixinha.. como um...
Me aproximo sem acreditar, sinto aquilo tudo se dissolvendo, está no bolso do casaquinho de tecido leve que se esparrama sobre seus ombros, única peça de roupa no teu corpo.
Tão próximo que eu nem sei dizer o que está acontecendo. Sempre te olhei nos olhos, acho que agora pela primeira vez nos olhamos. Você tira do bolso o meu filme, sem desviar o olhar. Eu pego, volto pra mesa onde estava a câmera, ponho o filme dentro, me aproximo de novo, você ainda está séria. E seus olhos ficam lindos assim, expressivos. Essa é a minha foto.
O botão é apertado. A gente escuta o filme andando um pouco pro lado, dando vasão pra próxima foto. Te olho nos olhos através da lente, abaixo a câmera, nos olhamos pela segunda vez...


E eu não vou deixar registrado nesse conto o que acontece depois, porque todo artista gosta de incitar a imaginação dos seus apreciadores... e afinal de contas, é coisa pessoal nossa.

Click!

Ouço o filme rebobinar.


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R.

domingo, 25 de abril de 2010

Sonho em cinco estrofes

Sinto teu cheiro, que na pele impregnado
Traz a lembrança da noite, louca vontade
Que nos corpos se faz, no pensamento é consumado
Mas o medo não deixa, render-se a insanidade

No escuro, mãos são olhos de visão escassa
Perdidas, negando a entrega, contra ao toque tentando lutar
Faz-se rígida na coberta, e em frente a boca fracassa
E na ultima força sua, faz-se eminência do desejo matar

Num susto, a tua respiração, no pescoço um calor
A falta de ar, causa do abraço que fogo faz estremecer
Do consumar, causa a culpa secas lágrimas, em dor
O alívio e arrependimento de não o fazer

No acordar deste sonífero, com chuvas, o cuidado a se esvair
Cabelos emaranhados num sonho permanecem, e o frio vem deixar
A juventude e o esquecimento, por um fio o peito a se abrir
E sem travesseiro o coração perto, colado, a desistência o faz recuar

E o tempo nesse conto é mais nada que maldito
Que separa, a verdade esconde, nos engana na sobriedade
E tudo muda do que poderia aquilo ser escrito
E bêbados em amor por ele separados, para a eternidade


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Sem mais...

R.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Palavras de concretude ( uma carta à arquitetura)

"A arquitetura como uma carta, datada, de data sem importância, pois sua infinidade concreta expande-se de um historia passada, o agora vivo e um futuro intangível. Arquitetura como palavra, sua imortalidade concretizada, elevada do chão com suas raízes do imaginário de um sonhador. O concreto como lúdico, das frases que possuem entrelinhas e das portas que se abrem sem revelar o mistério de cada vão. E selada, e pronta, mas que pronta nunca há de estar, sempre existe uma palavra a mais, um canto a se aumentar, uma janela a se abrir. E que possamos abrir as janelas, sempre, que como prosa voam no ar, se espalham no vento e criam asas para alcançar a todos os olhos de ver....

E assim, que ao construirmos paredes, façamos não muros, e sim conexões. Que ao fecharmos janelas façamos um útero onde possamos renascer em nossa reflexão. Que cada risco seja um pedaço de sonho em giz, em formas que não quebram, que fluem e nos levam embora, a voar com elas. Que nossos pés nunca toquem o chão, flutuando acima deles, no piso das ideias. Que o teto seja estrelado, e que as portas nos levem a mais perguntas e não a uma solução. E que aquilo que nos enclausurava seja agora uma caixa de possibilidades. Que o verde seja parte de um todo, e não a parte que complementa. E que a arquitetura seja agora não como delimitar, mas sim como uma expansão... e que possa enfim, voar!”


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Umas palavrinhas em homenagem a esta arte magnífica, que quando feita pelas mãos de um verdadeiro artista, vira poesia concretizada.
A arquitetura é poesia concretizada!


R.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Mexeriqueiro querubim

Era uma vez um menininho assim
Vivia a me perguntar
Sobre a vida, a morte
O começo e o fim

Não cansava de questionar
Meu passado
Meu futuro
Quando invadia o meu jardim

E apesar de não se cansar
Era ele de tudo
Meu maior festim

Quando abria a porta
Trazendo alegria
Num sorriso para mim

Revirava meus livros, meus poemas
Minhas cartas de carmim
Me deixava sem graça, sem cartas na manga
Era um anjo, um querubim

E agora sem rimas, me despeço de ti
O mexeriqueiro, menino arteiro
Que na tentativa de revirar minhas verdades
Revirou meu coração

Me deixou sem prosa, sem rosa
E com perfume de jasmim
Que deixou na minha mão


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Ao teu pedido... à despedida...

"...E que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure..."


Pra sempre,


R.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Soldados

"Há dois caminhos pela frente
Em um, somos soldados
Em outro, estamos curados
Ao escolher o meu caminho
Vesti a farda da justiça
E com ela seguirei
Até o dia de minha morte
Porque querer mudar o mundo é uma doença...
Alguns, morrem por isso
Outros, curam com o medo."


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A inscrição para meu batalhão está aberta, alistem-se.
We want you (the new Uncle Sam).


R.

sexta-feira, 12 de março de 2010

O post inédito de dois poemas

1)

Casei-me

Vida pungente é vida vivida
As lágrimas choradas
As garrafas derramadas
São mais verdadeiras do que muita gente por aí

Vida de gente é vida sofrida
Chorar os dias perdidos
Rir dos erros cometidos
A mercê da companheira bebida

Entreguei-me a vida
Casei-me com ela no dia em que me separei
Fui acusado de adultério
Desonesto!
Traidor, traiçoeiro, traça, traíra

Tragicômico!
Afinal, eu não traí ninguém...
Só estava casado errado
A vida é a minha verdadeira mulher
E esta eu nunca traí

Então eu digo
E de pronto, repito.
Tem que se aprender a viver a vida
Porque vida calada é vida morrida



2)

Writer of the sad bottle loser

And now I became a writer... a drop!
Falling down from the top
Of my lazy volition to live
And please do tell me why
And what I have to give
To have back all my light-spirited
Memories…
If I have to choose
Or if I have to lose
Drunk in the blues
I will be on the loose
Cause I can’t make choices
Nor even lose I can’t
Cause you are my muse
And will be until the end

Once said a friend
You can’t hold a girl
Cause what’s more to write
If not the sadness of a broken heart?
Nobody wants to know
If you don’t have to show
All the despair of a great bellow!
Makes them blessed
Knowing you are worse then
That they’ve passed
Their miser messy life!


So that’s my fate
Concealing my grief
In the bars cave
Drowning my sorrow
In the bottle
And drinking them!
To keep the sadness
On the straight and narrow...


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Poesias antigas, penso que de 2007.
Essa foi a primeira e única poesia em inglês até agora.
É difícil pacas escrever bem em inglês.
A primeira, gosto de pensar no pré-título de despedida de solteiro.
E a segunda, bem, é a cara do baralho boêmio.

Estou pescando dos arquivos antigos, poesias também antigas...
Vamos ver o que mais acho por qui...


R.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Quindim

15 pra uma da madrugada.
O pão de queijo daqui é muito bom...
Vim comer no posto e aproveitei pra abastecer. O carro rodou a semana inteira procurando algo desconhecido, então, precisei encher o tanque pra amanhã.
Apesar de ser tarde e o domingo ser chuvoso, tem muitas pessoas aqui. Um cara engraçado, com uma gravata preta pra dentro da camisa de malha comum, conversa com uma mulher roliça e atarracada, me olham com curiosidade.
O astral está bom, a moça do balcão é muito simpática. Ela me ofereceu a promoção do pão de queijo e todyynho, mas eu já estava tomando meu suco.
Na verdade eu vim aqui porque estou sem sono. Não consegui dormir desde que comecei a procurar um apê pra mim na zona sul do rio. Sempre fui muito precoce, e agora talvez eu vá morar sozinha e mal completei duas décadas, mas isso é uma longa história, deixa pra depois.
Eu queria mesmo era falar do quindim. Sim, tudo isso pra falar do quindim, dei várias voltas pra falar do quindim, eu sei que você adora.
Já reparou como no fim todas as coisas levam à você?
Eu já estava me conformando com a sua ausência desses dois dias, mas aí eu achei a colherzinha de plástico verde que você esqueceu aqui no meu carro, quando tomou aquele sorvete de menta também verde.
Foi naquele mesmo dia, naquela quarta-feira chuvosa, quando almoçamos na confeitaria colombo. Lembra disso? A primeira vez que comemos juntos, e você pediu um quindim, eu comi um pedacinho humilde, estava satisfeita. Na verdade quase não comi nada aquele dia, me alimentei de te olhar, da tua companhia, da tua voz...
E você comeria mais uns três, e eu continuaria a te olhar, divertidamente.
Enfim, eu comprei um quindim no posto, mas o levei pra casa. Sentei no meu quarto e coloquei pra tocar Vinícius e Toquinho.
Samba me lembra você, vai lembrar sempre, depois que cantamos animados no meu carro junto com o Martinho da Vila rolando alto.
Depois de muito enrolar, ainda falta uma mordida pra acabar o doce. O que eu faço agora?

… dou a última mordida...e...


… engraçado, ela me lembrou seu beijo.


R.

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Pensei em escrever mais para aumentar o conto... mas achei que ele já
dizia tudo, na sua simplicidade.

Escrito em novembro de 2009, pra você.

quarta-feira, 3 de março de 2010

O soneto torto de Itabira

Deixe a montanha aí rapaz
que o galo canta
o sol se encanta
e meus olhos choram de tanta poesia

Deixe a montanha aí rapaz
que elas me abraçam
e formam um arco
que como um laço protege a cidade de Itabira

Na casa de Drummond
o cheiro de prosa
o jardim de Marílis
e a passagem secreta do sótão
a antiga sala de jantar
a antiga correria...

Um sorriso por esse cheiro de mato
uma lágrima pela locomotiva a jato
que num minuto leva Itabira nas costas
suas montanhas, mas também seu coração

Por isso fugiu o poeta
pois lhe roubaram a sua canção
a gentalha do ferro faz maquinas
que não possuem o dom da criação

Na rua de pedras
envolvem-me os casarões
ouço o sino Elias
Anunciando as mais belas procissões

Silêncio...

As nuvens correm agora
como correu o poeta

Deixe a montanha aí rapaz
que o que se leva de Itabira
é só o amor
o cheiro de mato

É tudo de graça
como tu já levaste a esperança
daqui só se leva poesia
que de tudo, é a mais bela lembrança.




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Poesia para a lindíssima cidade de Itabira, fevereiro de 2010.
Sentados sob ferro, manta de cor vermelha, o sangue derramado da natureza em pedaços. O homem se ilude ao pensar que pode destruir algo que ele não criou e ficar por isso mesmo.
E assistindo ao belíssimo nascer do sol, me disse " Isso acontece todo dia... e ninguém se dá conta... e é de graça."


R.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Soneto das mãos atadas ( Ou soneto de futura fidelidade)

De tudo, ao teu amor serei o calar
Antes, como tu me pedistes, e sempre
Que mesmo em face da omissão do que se sente
Nele seja mais bonito o meu sonhar

E por querê-lo em cada vão momento
E em desespero espalhei meu pranto
No beijo que foi dado, na moça sem encanto
Pois meus lábios só em ti encontrariam o contentamento

E assim, por mais tarde que me procures
Quem sabe embaixo de teus lençóis, neste emaranhar
Quem sabe as mãos, buscando o que ainda não tem

Eu sei que irão se encontrar
E que esta noite não seja imortal, pois o sol aí vem
Mas que seja infinita enquanto dure

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Um brinde ao plágio! Ou seria uma homenagem?


Vai saber...


Ps: Para a princesa do palácio de cristal.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Noronha ( Paraíso em alto mar )

A mulher aqui é maciça, petrificada
Nas curvas perfeitas das montanhas e das enseadas
As ondas banham suas coxas de areia
Seus cabelos de pedra, sua pele em folhas!
Folhas que sombreiam este costear...

Ah, que bela dama!
Esse sol te clama, meu amor é chama por teu acalentar.
As brisas que acariciam, percorrem teu corpo
Rochoso, maciço, que como o farol
Ilumina as docas e o cais do porto.

Ah, Nonô
Vêm de longe todos os homens pra te admirar
Te tocar, percorrer tuas praias
Em teu seio repousar

Mas de todos, sou eu o mais apaixonado!
Ao ver teu pôr-do-sol na baía
Me sinto completo, imaculado.

E num fechar de olhos, entrego-me a tua vontade
Leva-me pra onde quiser, que sou teu
Nesse pedaço de paraíso, para a eternidade!



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Poema escrito em homenagem a Fernando de Noronha, durante minha estadia
nequela ilha paradisíaca, maravilhosa.
Dezembro de 2009.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Ano novo (Tudo de novo outra vez).

Primeira escrita de 2010. Estou meio atordoado, devem ser umas 4 da manha. É o primeiro cigarro do ano, cigarro que eu trago, não vejo, não seguro entre os dedos. A verdade é que eu nunca consegui fumar um maldito cigarro em toda a minha vida sem tossir, eu odeio o cheiro, a fumaça, a sensação, o gosto... e só porque seria o momento perfeito pra isso, ele está aqui agora, no meu imaginário, apaziguando-me. O pessoal esta curtindo a festa no apartamento, mas eu precisava de um tempo só, escrever. Minha mão começa a tremer quando fica muito tempo sem pegar na caneta, parece cocaína. A passagem do ano foi boa, cantamos muito, corremos de mãos dadas na praia, formando um grande paredão humano, eu catei pedrinhas, dançamos, bebemos..é o primeiro dia do ano. O maldito primeiro dia do ano e eu beijei a ultima pessoa que minha razão implorava para não beijar. Ela veio sorrateiro, no escuro, eu só fui até o quarto pegar meu caderno, este mesmo aqui, que escrevo. E ela apareceu. A escuridão confundiu-me um pouco, a princípio, mas logo ela me tocou o rosto e reconheci. A mesma pele, o mesmo toque, um cheiro um pouco diferente... talvez dos outros corpos aos quais ela já se misturou desde que eu disse adeus, até, essas coisas.... mas o mesmo olhar. O mesmo olhar inquieto, que quer gritar, mas não grita. Ela tentou me beijar, recuei. Queria não beijar ninguém, estava tudo confuso em minha mente, queria encontrar alguém que me acalmasse, que não me desse arrepios ao se aproximar.. ela se desculpou. Nos olhamos, ela me tocou, o mesmo toque. O álcool, culpa dele, culpa desses 7 meses que amei-a mais que a própria vida, culpa das suas lagrimas que não conseguem correr, estagnadas.. culpados, eternamente culpados. Puxei-a, nos beijamos... tudo de novo outra vez. A mesma boca. Ela me disse “saudades” e me abraçou. Eu quase nos deixo cair...talvez, eu sinto que. Ela fala. Eu não digo uma palavra, eu já havia dito tanto, e nada havia adiantado, eu era apenas cansaço...beijei-a por cansaço, cansei de lutar, relutar, pedir explicações, ouvir desculpas. Cansei do papo chato e hipócrita, das mentiras, das brigas, dos discursos. Eu era só silencio. Ela perguntou se eu voltada, balancei a cabeça numa dúvida. Ela pediu “volta sim, precisamos conversar, volta”. Eu balancei a cabeça, afirmando, mas estou cansado de falar.. queria apenas esquecer, deixa pra lá... mas ela não, então ela disse que me amava... ela diz que ama...


não respondi, não consigo, não sei. Eu era só silencio. Então ela se assustou com a luz que acendeu no corredor, e eu vi. Vi o mesmo medo, a mesma fraqueza, a mesma carência, a mesma tormenta. De não saber quem é ou pra onde ir.. e disso estou farta, e vi que nada havia mudado, era o mesmo, tudo de novo outra vez. Eu precisava descer, apenas. Beber, sentir o vento um pouco. As ruas cheiram a mijo. Gosto de ficar só, escrever. Queria uma máquina que digitasse todos os meus pensamentos, são muitos, a mão não acompanha, então esqueço-me. Eu só quero dormir agora, apagar, fugir... quero que ela me esqueça, que acabe, quero vida nova, estou cansado. De palavras, palavras não adiantam mais. Nunca adiantaram. Eu quero o silencio, quero olhar pra dentro e ver se aprendo alguma coisa, e enxergar o mundo. Estou com fome. Eu quero viver. Viver no meu mais profundo calar.
PS: Veja meu estado, caro amigo...bebo champanhe em uma taça de plástico, na outra taça, bebo boêmia preta. Álcool... só não é pior do que as mulheres. Feliz ano novo.