sexta-feira, 9 de julho de 2010

Carta ao Eco.

Esta carta é para alguém. Para alguém que entende o meu lirismo, as minhas palavras, a minha subta melancolia. Para aquele ( ou aquela) que com os olhos não me enxerga, assim, arrasada, mas que vê apenas uma alma, uma criança, um pequeno animal mistico. Essa carta é para aquele (ou aqueles, mas aí acho que já é pedir demais) que enxergam que acima de tudo, sou a felicidade, na expressão mais pura e inocente da palavra. Com os olhos de ver, vejo daqui o sol, envergonhado, atrás das nuvens, esperando todos ficarem em silêncio para ele poder se pôr. É sempre uma frustração...as pessoas desaprenderam o valor do silêncio (principalmente nos pôres do sol) , sua plenitude, sua infinidade. E em silêncio, olhando o mar, agora, escrevo. Não sei pra quem, apenas vomito esses pensamentos que não cabem e que. Chico Buarque canta “ a flor da pele” , e é isso o que ele não dá nome (pois não tem) que eu também sinto, e que todos aqueles sensíveis d'alma (como o meu remetente) sente, e não conseguem explicar...rotular. Pois é tao forte, aquilo que esta sempre conosco, grudado, mas que escorre entre os dedos e se evai quando tentamos pegá-lo. Aquilo que não pode ser pensado, nem sentido, nem falado... mas está em cada segundo na mente, no subconsciente, nas emoções, nas transpirações, nas entrelinhas... aquilo que é o ovo de Clarice Linspector, que é a metade de Oswald de Andrade, que é a poética de Drummond, que está no cigarro de Vinícius, no whisky de Tom, na voz de Elis, no meu sorriso. Porque toda vez que sorrio, com dentes de chumbo, ou de plumas, não sei porque sorrio. Ele simplesmente me vem, como uma onda. Fico pensando no futuro, as vezes. Será que um dia as pessoas saberão de minha existência e do meu trabalho? Ou serei um daqueles artistas que deixa a família rica depois de morto...e vão ler as minhas cartas, e irão vender os meus livros, e vão expor meus quadros e escutarão as minhas musicas... e não entenderão nada... e entenderão tudo. E sentirão pena...e...tristes..e felizes... e como eu, irão sorrir. Ou talvez, eu suma, afogada em alguma ilha deserta... ou no rio, submerso... e então os escafandristas virão explorar. E eles, mais evoluídos, essa futura civilização, que enxerga com olhos de ver. Saberão que não fui nada... absolutamente nada... e que fui tudo.. porque amei, só amei. E mais nada. E provavelmente essa carta é também para alguem que amo. Esse alguem desesperado, que na sua calma e plenitude, grita. Grita por um eco...eu sei o que é isso, Nietzsche também sabia: “eu queria um eco, mas só ouvi elogios”. Eu achava na minha mesquinharia e egoismo e egocentrismo que nunca existiriam ecos.. mas eles existem. Estão espalhados pelo mundo, só é um pouco difícil de achá-los, reconhecê-los. Ecos se escondem em máscaras ordinárias, nos túneis e cavernas... mas estão lá.. como eu compreendi Nietzsche (apesar de tarde demais), alguém me compreende. E por isso escrevo, para esse meu eco, que acima de me dizer elogios, cala, e em seu simples calar, me completa. Então, caro remetente, caríssimo ou caríssima, se estiver lendo esta carta, se leu até aqui, se riu ou se chorou, se sentiu alguma coisa, alguma angústia, alguma tristeza, felicidade, alguma troca , algum encontro... se você também vê esse mar, esse sol que se esconde, esse silêncio, se você sorriu... Saiba que encontrou um eco. Apenas um, dentre os milhares... mas eu existo, eles existem, você existe.. e somos ecos, infinitos, e você já pode sorrir. Não o sorriso ordinário, aquele de pose para fotografia.. mas sim o sorriso que simplesmente vem, invade, sem aviso, de dentro do peito, da boca pra fora, o que não tem mais jeito de dissimular, o que nem é direito de se recusar , o que não tem medida, nem nunca terá, o que não tem receita...




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Escrita que encontrei essa semana. Nem lembrava de tê-la produzido. Estava em um desses cadernos velhos e rabiscados, cheios de pensamentos.
Tenho a mania de escrever cartas, pra amigos, amores, conhecidos e desconhecidos.
O de praxe, folha amarelada, tinta nanquim preta de um bico de pena, a cera vermelha derretida, o pentagrama selado, e todo o meu lirismo.
Porém essa carta é diferente. Não tem remetente fixo, não tem receita. Se quiser, pode bebê-la, se embriagar.
Essa carta é pra todos vocês, meus ecos.


R.L.